nota de pesar carlos

 

Faleceu hoje, pela madrugada, o Professor Emérito do Instituto de Economia e ex-Reitor da UFRJ Carlos Lessa. É tempo de luto para nossa comunidade. Lessa foi um professor brilhante. Durante várias décadas foi sistematicamente considerado pelos alunos como o melhor em sala de aula. Como intelectual, foi um grande intérprete do Brasil e, em especial, do Rio de Janeiro, cidade que para ele era a síntese do que tem de melhor e pior do país. Um homem do seu tempo, orador brilhante, além das suas muitas aulas foi um conferencista e palestrante muito influente e extremamente popular. É imensurável a importância e o impacto das suas centenas de palestras em um mundo sem internet, particularmente no período mais duro do país, em que a circulação das informações era, muitas vezes, restringida pelo temor e ação da censura.

Lessa não foi um acadêmico típico, não ficava fechado em um escritório dialogando apenas com seus pares. Algumas de suas obras, em especial seus livros, foram imensamente populares. Seu manual de introdução a Economia escrito em conjunto com o brilhante e saudoso Antônio Barros de Castro, foi junto com o Formação Econômica do Brasil de Celso Furtado, mestre dos dois autores, uma das obras de economia mais vendidas em toda a história editorial brasileira. O Quinze Anos de Política Econômica, talvez sua principal obra acadêmica, mostrou seu fôlego como historiador. Seu livro Rio de todos os Brasis é um exemplo de uma outra vertente desse professor: a admiração e amor pela cidade em que nasceu. Para ele, a cidade que comprovava a potencialidade do país converteu-se no testemunho do desequilíbrio e distância socioeconômicos nacionais e no paradigma da má-qualidade de vida.

Além de professor e acadêmico, Lessa foi um ativista pela democracia, foi um militante pela renovação do pensamento dos economistas, sendo um dos fundadores do Instituto dos Economistas do Brasil e presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro. Na UFRJ ocupou várias funções importantes: foi diretor do Instituto de Economia, foi Decano do CCJE e foi Reitor. Atuou ativamente no movimento pela democratização do Brasil, participou da política partidária, foi diretor do BNDES (um dos defensores e maiores responsáveis por acrescentar um S de Social no nome do Banco) no governo Sarney e Presidente do Banco no governo Lula.

Lessa foi um entusiasta e defensor da universidade pública. Reconhecia a importância da instituição na formação nacional, na produção de conhecimentos e reflexão sobre o país. Além disso, enfatizava a importante função da universidade pública de criar oportunidades para jovens talentosos cujas alternativas eram muitas vezes limitada pela obscena e persistente desigualdade social no Brasil. Ensinou e formou com orgulho muitos estudantes de graduação e pós-graduação – tendo sido Paranifo e Patrono de muitas turmas, ao longo de sua carreira de professor.

Lessa foi um nacionalista e patriota no sentido clássico, que não se confunde com a vulgaridade e superficialidade com que esses termos têm sido usados recentemente. Seu nacionalismo tinha como implicação sua visão generosa do povo brasileiro e sua profunda convicção democrática. Queria que o Brasil fosse uma sociedade cosmopolita, mas que dialogasse com o mundo a partir de suas raízes - afirmando seus interesses e qualidades. Nos reconhecia como a verdadeira América profunda, onde os povos do mundo se encontrariam. Esperava – e lutava – para que nossa sociedade superasse sua história de desigualdade e atraso econômico e social. Lessa é um dos últimos desenvolvimentistas históricos. Faz parte de um país que legou ao mundo projetos modernos e inovações culturais, como Oscar Niemeyer, Glauber Rocha, Clarice Lispector, João Celso Martinez Correa, João Gilberto, Antônio Carlos Jobim, Milton Santos, Celso Furtado, Antônio Barros de Castro, Maria da Conceição Tavares e outros.

Nós, do Instituto de Economia, prestamos nossa homenagem a esse grande professor e prestamos nossa solidariedade e sentimento a família pela perda. Esta é uma perda particularmente sentida, neste momento grave da história do país, onde homens com seu nacionalismo culto e contagiante, compromisso com a democracia e otimismo e energia fazem muita falta.